Fri, Aug 4, 2023

O Marco Legal do Mercado de Ativos Virtuais (“criptoativos”) no Brasil

David Dulman e Thomas Gibello Gatti Magalhães, sócios da MZ Advogados - https://www.mzlaw.com.br/

Em 21 de dezembro de 2022, foi sancionada pelo Poder Executivo a Lei 14.478/2022, considerada “O Marco Legal do Mercado de Criptoativos”, configurando uma nova diretriz ao mercado e aos que querem atuar nesse setor no Brasil (prestadores de serviços). Com ela, nosso País passa a figurar entre aqueles que possuem uma legislação específica para regulamentar tais atividades, que passaram a ser legalmente reconhecidas, regulamentadas e fiscalizadas pelos órgãos competentes, sob a forma de lei.

Preliminarmente, entendemos que esse marco legal é de suma importância, uma vez que à luz da legalidade, resgata da informalidade um nicho de mercado que atualmente movimenta bilhões de dólares, e com o advento da nova Lei, tende a incentivar seu desenvolvimento, atraindo mais investimentos e, consequentemente, injetando capital no mercado financeiro local. Ademais, o grande objetivo da lei é proteger aqueles investidores que não têm conhecimento da complexidade do mercado, em razão da regulação efetiva dos prestadores de serviço deste mercado.

De acordo com essa legislação, o conceito de "Criptoativo" passou a ser definido como um "Ativo Virtual" que, por sua vez, é definido como "a representação digital de valor que pode ser negociado ou transferido por meio eletrônico e utilizado para pagamentos ou fins de investimento".

Ainda, sobre a definição de Criptoativos, a Lei exclui categoricamente aqueles ativos e valores cuja interpretação não se aplica extensivamente, como é o caso de moedas (nacionais, estrangeiras e eletrônicas), programas de fidelidade e representações de ativos anteriormente regulamentados, como os títulos.

Em relação às empresas denominadas “exchanges”, bem como aquelas que possuem atividades similares e/ou desejam atuar no mercado de criptoativos no Brasil, a norma legal trouxe uma definição clara, estabelecendo quais são as atividades típicas de provedores de serviços de ativos virtuais, sujeito aos seus termos.

No âmbito global, no entanto, o ambiente regulatório para ativos digitais é inconsistente e fluido. Devemos lembrar que muitos gestores de fundos que operam seus negócios de investimento fora de um país podem registrar seus fundos em um país diferente. Porque as criptomoedas são negociadas continuamente e as trocas de criptomoedas estão localizadas em todo o mundo. Devido à natureza complexa dos regulamentos globais de valores mobiliários e políticas fiscais, os investidores que consideram investimentos em fundos privados de ativos digitais devem falar com advogados, profissionais tributários ou profissionais de due diligence para garantir que o gestor do fundo opere-o dentro de todas as estruturas regulatórias e tributárias globais.

Mas voltando ao Brasil, a Lei, em essência, dá a dica inicial na regulamentação do mercado e seus agentes, definindo o conceito de criptoativos, prestadores de serviços, bem como as diretrizes gerais a serem observadas na categoria de serviços virtuais, que inclui criptomoedas e outros ativos digitais, como troca, por exemplo.

As empresas que prestem ou pretendam prestar algum dos serviços definidos, só poderão operar no país com autorização prévia do órgão ou entidade do governo federal, que além de poder definir quais serão os requisitos antes da concessão da referida autorização, também determinará quais serão os ativos financeiros regulados pela Lei.

Isso significa que tanto as empresas que atualmente operam e exercem algum tipo de atividade prevista na Lei, quanto aquelas que desejam atuar no mercado brasileiro de ativos virtuais, precisarão se adequar a sua regulamentação, além de atender os padrões de infra legais aplicadas pelo órgão regulador, independente de qual seja ele. Inobstante que até o momento ainda não há definição sob a égide de qual órgão regulador esta competência será elencada, há fortes indícios que o Banco Central do Brasil (“BCB”) atuará como órgão regulador deste mercado, enquanto a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), atuará na fiscalização de eventuais ofertas públicas e outros aspectos regulatórios.

Ainda haverá muito trabalho a ser feito para que a legislação seja aplicada na prática. Caso contrário caberá ao regulador (i) autorizar a operação, transferência de controle, fusão, cisão e incorporação da prestadora de serviços de ativos virtuais, (ii) estabelecer condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários e contratuais em prestador de serviços de bens virtuais e autorizar a posse e o exercício de pessoas para cargos de administração, (iii) fiscalizar o prestador de serviços de bens virtuais e, se necessário, aplicar as sanções previstas em lei, (iv) cancelar ou suspender, mediante processo administrativo com o devido processo, as autorizações que tratam os itens "i" e "ii" acima, observadas as garantias constitucionais de todos os envolvidos, e (v) afastar as hipóteses em que as atividades ou operações relativas aos serviços de ativos virtuais sejam incluídas no mercado de câmbio ou no qual devam se submeter à regulamentação dos capitais brasileiros no exterior e dos capitais estrangeiros no país.

O regulador deverá ainda conceder prazos e condições não inferiores a 06 (seis) meses para que os prestadores de serviços de ativos virtuais cumpram as normas de compliance e obtenham as autorizações necessárias para legitimar sua operação. É extremamente importante para o Brasil criar uma estrutura regulatória para ativos digitais para proteger os interesses de seus cidadãos, bem como gerenciar adequadamente os riscos associados aos negócios e investimentos em ativos digitais.

Visando maior segurança jurídica e transparência, a Lei estabeleceu que, dentre as regras acima citadas, estão: (i) boas práticas de governança, (ii) abordagem baseada em risco, (iii) segurança da informação e proteção de dados pessoais, (iv) proteção e defesa do consumidor, (v) proteção da poupança popular e (vi) práticas de prevenção à lavagem de dinheiro.

Em consonância com as normas supracitadas, visando trazer maior segurança jurídica ao mercado de criptoativos no Brasil e a todos que dele participam, coibindo práticas abusivas e/ou mesmo criminosas, a Lei trouxe importantes ajustes aos dispositivos legais que têm sido aplicados, tanto na esfera consumerista quanto na criminal, destacadas a seguir.

No que tange o Direito do Consumidor, e visando a proteção do investidor com menor conhecimento do mercado, serão aplicadas as disposições da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) às transações realizadas no mercado de ativos virtuais, conforme se apresentem (lembrando que a legislação brasileira prevê direitos e obrigações específicos para as relações de consumo).

No que diz respeito ao Direito Penal para coibir o uso de bens virtuais para os crimes de fraude, ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro, a novação legislativa trouxe importantes alterações no Decreto-Lei nº 2.848/40 (Código Penal), Lei nº 7.492/86 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional) e Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro).

Ela informa que, adicionou a tipificação de novo tipo penal de estelionato ao Código Penal, atribuindo “reclusão de 4 a 8 anos e multa para quem organizar, administrar, oferecer ou distribuir carteiras ou intermediar transações envolvendo ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros para obter vantagem ilícita em detrimento de outrem, induzindo ou mantendo alguém em erro, por meio de artifício, astúcia ou qualquer outro meio fraudulento.

Pela Lei 9.613/98, os crimes praticados com uso de bens virtuais foram incluídos, entre aqueles com agravamento de um terço a dois terços da pena de reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos, quando praticados de forma reiterada.

Também vale ressaltar que o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), para disciplinar e aplicar penalidades administrativas, além de identificar atividades suspeitas relacionadas à lavagem de dinheiro, atuará neste mercado. A Lei estabelece que as empresas devem manter registros das transações para repassar informações aos órgãos fiscalizadores e de combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro. A expectativa é que o órgão regulador defina parâmetros que determinem a obrigatoriedade das empresas de prestarem informações sobre operações atípicas.

Por fim, importante mencionar que, recentemente a CVM (autarquia federal brasileira com atuação semelhante a SEC norte-americana), normatizou que, oferta de ativos virtuais são equiparadas a ofertas de valores mobiliários e estão sob a égide desse órgão regulador (Ofício Circular CVM/SSE 4/2023). Tal movimento impactou o mercado brasileiro que estava atuando com a ofertas públicas de diversos tipos de tokens lastreados em ativos reais (ex. oferta de tokens lastreados em precatórios), passando agora essas ofertas serem realizadas a luz da Resolução CVM 88, a qual trata de ofertas públicas de valores mobiliários.

Assim, observando as boas práticas de mercado, bem como atendendo às diretrizes gerais definidas pela nova lei, inobstante as inovações legais de modo a proteger o mercado, entendemos ser imprescindível que, tanto as empresas atuantes no setor, quanto os investidores que visam diversificar seus investimentos em ativos virtuais (“criptoativos”), busquem atuar nesta área, por meio de profissionais qualificados, realizando sempre o devido processo de due diligence e compliance, antes da realização de investimento e/ou lançamento de novos produtos e/ou serviços, visando mitigar a exposição de riscos desnecessários.