Mon, Jun 17, 2024

Quebrando o Código: Como a Diligência Baseada em Risco Protege seu Dinheiro dos Predadores Financeiros

Esse artigo foi originalmente publicado pela LEC.

A indústria financeira testemunhou um aumento na complexidade e na inovação, em uma época marcada por avanços tecnológicos sem precedentes e por uma economia global cada vez mais interligada. Mas esses progressos também trouxeram novos desafios, particularmente no campo dos crimes financeiros, que também têm aumentado devido às atuais pressões econômicas, tensões geopolíticas, ambiente regulatório cada vez mais diversificado, escândalos governamentais, corrupção pública, era pós-covid, entre outros. Segundo o Relatório de Fraude e Crime Financeiro de 2023 da Kroll, o crime financeiro continua a ser a principal ameaça em nível mundial: a pesquisa mostrou que 69% dos entrevistados estimam que os riscos de crime aumentem nos próximos 12 meses, tendo a segurança cibernética e as violações de dados como os principais impulsionadores.

Diante deste cenário que evolui de maneira dinâmica, o papel da função de Compliance segue mais importante do que nunca, e o papel decisivo da Due Diligence emergiu como uma ferramenta poderosa na luta contínua contra atividades ilícitas, servindo como um farol para iluminar o caminho que leva à conformidade regulatória e à boa integridade e reputação.

O conceito de Due Diligence ocupou a cena e se tornou um processo imprescindível na investigação de terceiros, clientes e funcionários, desempenhando um papel essencial na antecipação, detecção e resposta à ampla gama de riscos regulatórios e reputacionais que acompanham as obrigações éticas e de Compliance no cenário global atual.

Uma abordagem integral para a mitigação de riscos

Os processos de Due Diligence devem estar perfeitamente integrados ao contexto do programa de Compliance, na intrincada estrutura de qualquer organização. Não sendo uma mera formalidade processual, esses processos atuam como um mecanismo de defesa estável contra potenciais crimes financeiros. Por meio do exame meticuloso de antecedentes, das intenções e das afiliações das partes externas e, internamente, das partes interessadas, as instituições podem definir uma proteção abrangente contra ameaças que possam comprometer sua posição ética.

A importância estratégica da Due Diligence é reforçada pelo seu alinhamento com a matriz de risco de uma instituição. Cada organização é guiada por um cenário único de riscos, influenciado por fatores que vão desde a dinâmica do setor até o alcance geográfico. Por isso, a Due Diligence deve ser personalizada para atender aos contornos específicos do perfil de risco de uma instituição. Para orientar esta customização, um conjunto de questões estratégicas serve de bússola, conduzindo o processo de Due Diligence para um alinhamento preciso com a tolerância ao risco e os objetivos estratégicos de uma instituição.

Revelando questões estratégicas

As questões estratégicas funcionam como o alicerce da implementação eficaz da Due Diligence e servem não apenas para avaliar riscos, mas também para acomodar os contornos dos processos de Due Diligence, de modo a reverberar com a estratégia global de uma instituição. A formulação dessas questões gira em torno da disposição da organização de adotar a Due Diligence como uma força proativa, em vez de uma medida reativa.

1. Objetivo da Due Diligence

Tudo começa com uma compreensão clara do propósito por trás das iniciativas de Due Diligence. Seja para garantir Compliance com leis e regulamentos complexos, como o Combate à Lavagem de Dinheiro, a Lei sobre Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA) ou a Lei Antissuborno do Reino Unido, seja para mitigar os riscos reputacionais locais, a Due Diligence serve como um eixo para proteger a posição ética e a adesão regulatória de uma organização e evitar riscos financeiros. É um movimento estratégico para antecipar e enfrentar potenciais dificuldades, antes que elas se materializem.

2. Alvo da Due Diligence

O modelo da Due Diligence é amplo, pois abrange uma gama de indivíduos e entidades. O escopo é abrangente, indo de avaliações de fornecedores e investidores, até conhecer seu cliente (KYC) e conhecer seu funcionário (KYE), estendendo-se a patrocínios, doações e até entidades envolvidas em processos de fusões e aquisições. A rede de Due Diligence é vasta, incluindo todos os que têm potencial para influenciar o cenário ético de uma organização.

3. Escopo da Due Diligence

Nem todas as iniciativas de Due Diligence obedecem aos mesmos critérios. Conforme os fatores de risco identificados, as estratégias de Due Diligence podem variar desde a verificação de bases de dados de riscos e listas de referência, até diligências mais abrangentes que envolvam pesquisas de registros públicos e entrevistas com fontes de mercado, de acordo com o perfil de risco, setor e o relacionamento (ver itens abaixo).

4. Perfil de risco e tolerância

O cenário de risco varia dentre as corporações e é influenciado pelas especificidades do setor e presença geográfica. Compreender o perfil de risco de uma empresa e o seu apetite ao risco é essencial para definir as estratégias de Due Diligence. Um equilíbrio delicado deve ser estabelecido entre a ambição de crescimento e a mitigação de riscos, para que se defina a profundidade e a extensão das iniciativas de Due Diligence.

5. Análise do setor e jurisdição

Os diferentes setores, da mesma forma que a diversidade geográfica, têm os seus perfis de risco únicos. Um setor regulamentado pode exigir um processo de Due Diligence mais abrangente. A jurisdição em que a empresa atua também pode servir como determinante dos níveis de risco. O processo de Due Diligence deve estar em sintonia com estas nuances do setor e da jurisdição, de forma a garantir uma avaliação de risco detalhada.

6. Dinâmica de relacionamento

A natureza de um relacionamento com terceiros influencia o risco percebido; por isso, fatores como o nível de risco estimado, a dimensão da relação financeira e a duração prevista da parceria exercem um papel relevante na elaboração dos requisitos de Due Diligence. Uma análise criteriosa dessas dinâmicas governa a trajetória da Due Diligence.

7. Tempo e integração

O tempo é crucial na Due Diligence. O cronograma pode variar de acordo com a profundidade e a amplitude do processo; entretanto, ela deve ser perfeitamente integrada ao fluxo de trabalho para garantir que os objetivos sejam atendidos sem interromper as operações.

Desafios na região

As complexidades da Due Diligence são ampliadas em diferentes regiões, apresentando desafios e obstáculos únicos. Na América Latina, esses desafios são ainda mais destacados por um cenário regulatório dinâmico e complexidades culturais. Países como Costa Rica, Brasil e Chile fizeram ajustes legais recentes que enfatizaram a importância da due diligence.

Entre os desafios enfrentados, os órgãos reguladores, como a Comissão de Valores Mobiliários (SEC) e o Departamento de Justiça dos EUA, destacam como erros comuns a incapacidade de realizar a Due Diligence em tempo hábil e aceitável, a inadequação ao validar informações de parceiros de negócios, negligenciar sinais de alerta detectados e a perigosa “cegueira voluntária” – um evitamento intencional de fatos cruciais.

Particularmente na América Latina, os principais desafios incluem a falta de dados digitalizados e centralizados, idiomas diferentes que constituem um desafio no processo de pesquisa e análise, uso de terceiros com pouca visibilidade e que não têm acesso facilitado a informações públicas, além de limitações orçamentárias na área de Compliance. Segundo o Relatório de Fraude e Crime Financeiro de 2023 da Kroll, 64% dos entrevistados no Brasil e 68% no México concordam que os gatekeepers terceirizados criam desafios para o combate à lavagem de dinheiro.

Visando a enfrentar esses desafios, as organizações são incentivadas a adotar uma série de melhores práticas, que podem fortalecer os processos de Due Diligence:

1. Questionário de onboarding baseado em risco

Começar com um questionário de integração baseado em risco é um passo prudente, que permite a criação de pontuações para risco. No entanto, as informações de terceiros devem ser corroboradas de forma independente, para garantir precisão e confiabilidade.

2. Medidas de proteção contratuais

Ao incorporar requisitos de Compliance e linguagem específica nos contratos, pode-se condicionar a relação comercial à manutenção de uma conduta ética.

3. Compliance com as leis de antissuborno e anticorrupção

O fato de um terceiro não ter um programa de Compliance com as leis de antissuborno e anticorrupção deve servir como um sinal de alerta. O estabelecimento de tal programa pode indicar um compromisso com padrões éticos.

4. Educação e treinamento

Compartilhar informações e fornecer treinamento às partes interessadas sobre o compromisso da empresa com a Due Diligence favorece as iniciativas de conscientização e Compliance.

5. Monitoramento contínuo

Gatilhos e controles internos são essenciais para monitorar alterações em perfis de risco e as políticas de denúncia de ilícitos podem facilitar a detecção precoce de problemas.

6. Documentação

Documentar a lógica por trás do uso de cada terceiro e manter esses registros por um período determinado garante transparência e a devida prestação de contas.

7. Aprovação de alto risco

Para assuntos de alto risco, a decisão de prosseguir com uma relação comercial deve envolver a colaboração entre o responsável por Compliance e a liderança sênior.

A função da Due Diligence na prevenção de crimes financeiros é primordial, interligada de forma complexa à estrutura da conformidade regulatória e da adesão à Ética. Representa uma poderosa muralha contra o cenário dos crimes financeiros, que está em constante evolução, e oferece às organizações os meios para identificar, avaliar e mitigar preventivamente os riscos. Ao adotarem a Due Diligence como uma medida proativa, as empresas podem guiar-se pelos intrincados caminhos das finanças globais, com firmeza e integridade.

O percurso que temos à frente é marcado por desafios, especialmente em regiões como a América Latina, onde dinâmicas próprias exigem estratégias personalizadas. Entretanto, a chave está em reconhecer a Due Diligence não como um processo isolado, mas como parte indissociável de um programa integral de Compliance. Ao alinhar-se com o perfil de risco da empresa, a dinâmica do setor e as melhores práticas internacionais, a Due Diligence surge como um estratégia de proteção, protegendo as organizações das consequências potencialmente devastadoras dos crimes financeiros.

À medida que as instituições continuam a debater-se com as complexidades de um cenário financeiro dinâmico, a importância de uma Due Diligence eficaz não pode ser subestimada. Ela é um farol de superação ética, uma proteção contra riscos à reputação e um testemunho do compromisso inabalável de uma organização com Compliance, desta forma, moldando um futuro onde os crimes financeiros são minimizados e a integridade prevalece.

Fontes das notas de rodapé
Legislative Assembly of the Republic of Costa Rica, Law on Liability of legal persons on domestic bribery, transnational bribery and other crimes, No. 9699, 2019.
ACAMS, Glossary of AML Terms, No Date.
Batista, Emanuel, Key Takeaways for Effective Reputational Due Diligence, 2019.
National Congress of Chile, Law 20393, Establishes the Criminal Liability of Legal Entities in the Crimes of Money Laundering, Terrorism, Bribery, Aggravating Circumstances, Extenuating Circumstances, 2023.
Diário Oficial Da União,Decreto Nº 11.129, De 11 De Julho De 2022, 2022.
Kroll, Fraud and Financial Crime Report. Can Technology Stop the Threat of Economic, Crypto and ESG Crimes?, 2023.
Kroll, 2022, Report on Anti-Corruption and Bribery, 2022.
Watt, Michael and Foulon, Veronique, Evolving Challenges with Enhanced Due Diligence, 2021.


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